sexta-feira, 12 de dezembro de 2008

resenha do filme "Pro Dia Nascer Feliz", por karine bastos

Esta página do PEJA-manguinhos não deve se ater a discussões ensimesmadas, outrossim, devemos é produzir escritos sobre tudo que for boa matéria. E se falamos de arte, de cinema mesmo - ou música, ou arquitetura, ou artes de desencontros - estamos seguindo um rumo aqui apontado anteriormente: produzindo reflexoes que se desdobrem por entre tantos leitores e autores. O texto da professora de português, Karine Bastos, trata do filme "Pro dia nascer Feliz". Por sinal é um excelente filme para se pensar educação. Mas o ato de resenhar um filme poderia passar sobre temas outros, claro. Fiquemos com o olhar da ex-estudante da UFRJ que é, desde alguma data, uma presença na coordenação das aulas de português.
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Pro dia nascer feliz. O documentário dirigido por João Jardim trata fundamentalmente do sistema de educação nacional. Traçado um caminho descritivo por algumas escolas brasileiras, não é tão surpreendente defrontar-se com as marcas das diferenças socioeconômicas: sejam as esboçadas pela estrutura física e pelo ensino, sejam as esboçadas pelo professor e pelo aluno. Mas impressionante, de fato, é notar, em traços relevantes, as formas de violência permanentes em cada segmento apresentado. Da criminalidade à violência gratuita, as respostas à Educação gritam de modo a desnudar o seu fracasso.
A trajetória do filme se inicia em Pernambuco, numa cidadezinha onde não há sequer uma escola. Os alunos, nesse caso, contam com um ônibus para levá-los a Manari, outra cidade, que fica a 30 quilômetros de distância. E, nessa realidade apresentada, surge a menina Valéria, de 16 anos, um exemplo marcante da exceção. Sua história é capaz de fascinar todo o público, pois – sob um olhar poético e esperançoso diante da vida – a menina mostra uma forma vigorosa de remar contra a maré das condições de sua escola. Ônibus que se quebra, professores que faltam, professores que não percebem sua sensibilidade e até duvidam de seus escritos. A maré é bastante alta.
Em seguida, no Rio de Janeiro, o foco se dirige para uma escola pública em Duque de Caxias. Na entrevista, os meninos afirmam roubar por ódio ou, simplesmente, por falta do que fazer. Dentre eles, um personagem se destaca por cambalear sua inteligência e sua esperteza entre o estudo e a criminalidade. Já os professores, reunidos para o conselho de classe, mostram sua preocupação com esse aluno, mas não sabem de que forma agir. Nos momentos em sala de aula, é possível notar que, apesar de ser um menino cativante, também desperta certa fúria nos professores. Nesse sentido, torna-se reveladora a total desestrutura do corpo docente e do discente, uma vez que possuem uma grande dificuldade em lidar entre si e criam um conjunto de sentimentos antagônicos no ambiente escolar.
Itaquaquecetuba, interior de São Paulo. A escola apresenta problemas que começam pelas faltas numerosas dos professores e pelo forte desinteresse dos alunos. Nesse quadro, atenta-se para personagens que merecem certo destaque. A menina Keila, por exemplo, narrando seus momentos de desânimo, assume seu desejo pela morte. Já outro menino manifesta, num discurso consciente, a vontade de ser padre e de estudar filosofia. Há ainda a professora – desses alunos – que promove, com dedicação, o projeto do fanzine e dá conta de uma atividade prazerosa e produtiva para todos. São momentos em que os alunos ganham voz e podem discutir, por conta de uma relação de cumplicidade, sobre assuntos que lhe afligem. No entanto, a mesma professora – apesar da pouca idade – sofre um grande desgaste em sala de aula e, por isso, justifica suas faltas.
Por fim, aborda-se a realidade de uma escola católica de elite na cidade de São Paulo. É evidente que, além de dispor de um espaço físico excelente, a escola também é marcada por sua rígida disciplina. No entanto, o filme deixa claro que a educação não se resume por esses fatores. A entrevista com os adolescentes denuncia casos de depressão, de crises existenciais e até de violência nesse ambiente escolar. A reação mais normal de quem assiste a essa parte do filme é a de indignação diante das angústias expostas pelas alunas. É habitual, nesse caso, considerar uma rebeldia sem causa da classe alta e se comover apenas com a dura realidade dos adolescentes de Manari, por exemplo.
Mas a principal proposta deste documentário não é somente relatar as fortes diferenças existentes entre as escolas – e seus ensinos – do país. O fundamental é demonstrar que o sistema educacional brasileiro é muito falho. E, dessa forma, é possível constatar que cada realidade registrada enfrenta problemas gerados por ela mesma.
O foco do filme é dado ao ensino de adolescentes. Esse fato isoladamente já apresenta condições bastante conflituosas, uma vez que a adolescência é uma fase caracterizada por alterações físicas, psíquicas e sociais. É o momento em que o indivíduo forma sua identidade, a partir de seus valores e de suas crenças. É quando ele – ao levantar questões relacionadas à sua origem, à sua identidade e ao seu futuro – não encontra com facilidade, evidentemente, as desejáveis respostas. Como se vê em “Pro dia nascer feliz”, o sistema educacional brasileiro, em vez de cumprir seu papel de articulador – e esclarecedor – entre o jovem e o meio social, provoca o inverso. O jovem brasileiro tem uma relação de relutância com a escola, pois tem uma idéia – ou, pelo menos, uma sensação – de que o ensino não o conduz, de forma alguma, ao seu papel de cidadão, assim como a de que esse ensino está muito distante do que realmente lhe atrai.
Outro fator que justifica o fracasso escolar é a ausência dos pais, não abordada na obra de Jardim. Daí se expande a crítica às diferentes abordagens para educação. Num ciclo vicioso, um adolescente carente de uma educação familiar é capaz de levar graves problemas para o ambiente escolar, assim como um sistema de educação com valores decadentes gera futuros problemas nas relações familiares. Essa ausência dos pais não é diagnosticada apenas nas regiões menos favorecidas economicamente, mas também nas áreas nobres de grandes cidades, por motivos distintos. O fato é que isso se soma às angústias acumuladas desses adolescentes.
Como resultado/percepção final, o que se pode ressaltar é a violência. Os jovens do Rio de Janeiro tendenciosos à criminalidade; a menina de São Paulo que narra com orgulho um assassinato cometido por ela; o desrespeito dos alunos, de todas as escolas apresentadas, com o professor; o desrespeito dos professores com os alunos. Ela está estampada a todo o momento. E, se não fosse a arte cinematográfica retratando-a, fatalmente, seriam imagens corriqueiras, que acostumam e amansam – contraditoriamente – os olhos de quem as nota. O professor, neste país, ainda acredita que possui apenas duas opções: aceitar a reação dos alunos ou fugir – através de inúmeras faltas – se a instituição lhe permitir. Os alunos “vivem a pressa de saber quem são”.
“Pro dia nascer feliz” cumpre o papel de reproduzir as realidades da Educação brasileira. Coloca, em foco, as diferenças regionais e de classe, as semelhanças, os extremos e as exceções. Cabe a todo telespectador reconhecer seu papel de cidadão e documentar na sociedade o foco que lhe convém: seja promovendo o diferente, o semelhante, o extremo ou a exceção.
KARINE OLIVEIRA BASTOS

4 comentários:

André Lima disse...

Professora Karine!

Muito obrigado. Análise brilhante e cheia de confluências com coisas que eu já vinha pensando a respeito do filme mas não conseguia nomear. Sou estudante de filosofia, no RS, e preciso entregar um texto com considerações a respeito. Você me lanço uma luz. Vou citá-la, se me permite.

Grato

André Lima

L ! disse...

Riquíssima, tua análise. Do começo ao fim... e que fim magistral, a propósito.
Meus parabéns.

^^'

Acesse-o:

http://adytaness.blogspot.com/

LÍVIA disse...

Análise brilhante, com um olhar enriquecedor........Parabéns!!

Anônimo disse...

Download do Documentário Pro Dia Nascer Feliz – Uma lente Sobre a Educação - http://fwd4.me/0A62