quarta-feira, 4 de março de 2009

Aula Inaugural 2009

Na última segunda-feira (2 de março) tivemos nossa aula inaugural. Após o cumprir do processo seletivo - antes do carnaval - e da feitura do quadro de horário das disciplinas, nos restava receber os novos e antigos estudantes do PEJA-Manguinhos de modo diferente e, ao mesmo tempo, confortável.
A proposta vingou do texto abaixo, onde duas turmas tiveram dinãmicas distintas: uma com todos os jovens participantes do Peja, outra com os formandos do ensino médio - além dos recém formados do fundamental que agora inauguram o médio na turma nova. Na turma dos novatos, encabecei a leitura coletiva , que resultou numa prática mais trabalhada com intervenções escritas no verso do papel - atacando assim a questão lá proposta. Com a turma de veteranos, as professoras Cassia Miranda (filosofia) e Karine Bastos (português) estabeleceram interessante debate com os estudantes presentes. Nada de escrita, senão jogos de opiniões mascadas...
Importante pensar que este era um texto para ser lido por todos em sala e que certas marcas de oralidade se faziam importantes para o jogo de inventar uma dialética do ler-criticar-manifestar. Ainda computamos os resultados.
Para qualquer sentido que tenha tomado esta aula-inaugural, acreditamos que a lógica da provocação somada ao acúmulo de idéias instigantes, na perspectiva da emancipaçao do indivíduo para o que chamemos "sujeitos de direitos", já é válida como proposta de educação por causar o desconforto da resposta não-fácil.
"Degustar" será uma boa pedida para o ano que inauguramos. Por hora, mastiguemos.


Jogo de mastigação


É muito comum ouvir das pessoas: “política? Não gosto de política. Odeio política.” E quando dizem isso, querem expressar suas insatisfações com os representantes políticos, com os deputados e vereadores, presidentes e governadores, ministros e secretários, ou seja, quando alguém diz não querer ouvir sobre política, é o mesmo que dizer não querer ouvir falar de corrupção e maracutaia.

Podemos chamar isso de “cultura da apatia política”. Podemos escrever isso e, mesmo alguém que saiba ler, não entender nada. Como isso é possível? Simples. Com um mundo de tantas informações, tanta novidade pela tv e internet, nos jornais impressos, na novela, pouco temos de tempo para ficar refletindo, matutando mesmo, sobre algumas palavras e sobre o uso dessas palavras. Engolimos o que ouvimos ou lemos como quem almoça com pressa. Sem sentir muitos sabores. Sem mastigar muito. Engolimos a seco diariamente.

Quando usamos “cultura da apatia política”, de uma vez só queremos dizer que existe “um costume de gente desestimulada por lidar com jogo de poderes”. Mas de uma vez só, acredito, ficamos no mesmo embaraço. Podemos ao menos nesse texto dedicar algum tempo para mastigar as palavras, ao invés de apenas engoli-las. Avancemos nos pedaços.

Cultura é uma palavra muito usada. Seus usos vão desde falar de coisas artísticas a pessoas inteligentes: ontem fiz um programa cultural... - Ela tem tanta cultura!
E assim vamos ficando cada vez mais íntimos da palavra sem, no entanto, refletir sobre ela direito. Cultura, com sua raiz latina (o verbo colo), significa “cultivar a terra”. Ou seja, a idéia de trabalho está ligada à palavra cultura. Logo, tudo que o homem produz, seja no campo, seja na cidade, tudo que parte de sua ação de transformar coisas ao seu redor e que ele transforma em saber, isso é cultura. Daí a idéia de que uma pessoa inteligente ser uma pessoa culta, bem, isso cai por água abaixo. Por outro lado a questão da arte, cultura como algo do mundo da arte, isso também cai, porque um pedreiro é produtor de cultura, é um sabedor de cultura, mais uma engrenagem desse coletivo, das práticas humanas.
E sobre a frase acima? Sobre a cultura da apatia política? Nesse caso, cultura é tudo o que produzimos enquanto ação, enquanto costume de ação, de modo de agir. Sem negar outros usos do termo “cultura”, podemos considerar que aqui falamos de uma prática comum de um povo, de um grupo, de alguma coletividade. Ou seja, a apatia está sendo uma ação – ou uma não-ação? – constante de muitas pessoas quando têm de refletir sobre política.

Política, esta palavra, mais do que cultura, é muito mal utilizada. Por exemplo: todos fazemos política. Todos. E sempre – não há intervalos para esse tipo de prática. Política está relacionada a poder. E o poder ele é negociado diariamente, com todos ao nosso redor: é o pai que deseja manter o respeito e a autoridade sobre a filha, é a amiga que deseja ganhar mais confiança da outra amiga, é o policial que usa o poder da farda para violar os direitos alheios, é o namorado que conquista a namorada que por sua vez quer domá-lo para casar – e não ficar só de lero-lero. Política é o jogo dos relacionamentos humanos, mas também das instituições que o homem criou: o Estado, seus aparelhos de saúde, policiais, de educação.

Dá para imaginar um mundo de pessoas apáticas em relação à política? Não seria um mundo de mulheres e homens, com sorte seria um planeta de plantas.

Mas o desafio deste texto que nos inaugura o ano letivo é ainda outro: chamar para uma questão todos os envolvidos nesse processo, estudantes todos que somos, sobre o que seria “empoderamento a partir da educação”. Essa outra frase com jeito de palavrão merece o mesmo “mastigar” daquela primeira. Desta vez sem didatismos: cada um aqui será pesquisador (especulador) desta atividade. O que seria se “empoderar a partir da educação”?

Se há resposta para isso, antecipo que não há uma resposta certa. Existe o exercício de escrever e refletir sobre a questão. Fazer isso é evitar engolir facilidades para, enfim, descobrirmos os sabores das idéias.
(por Felipe Eugênio)