domingo, 19 de julho de 2009

Sonhos de cavalaria


O semestre que se despediu na semana passada, e que este espaço de comunicação pouco pautou, guarda muito em histórias de lutas e - quase como num conto de literatura apaziguadora - nisso conquistou um interessante final. Não exatamente feliz final; pois há limites até para literaturas apaziguadoras. Tivemos um final retumbante. Ecoa até agora o barulho com sons de cansaço e de desafio. Há isso, sons de desafio? - pois existem sim, e vêm em forma de aplausos, de vozes embargadas, de suspiros de missão cumprida. A Semana de Arte, Cultura e Tecnologia do Peja-Manguinhos apresentou uma realidade retumbante, diferente de um período difícil que até então fora 2009.

Nosso blog não deixara de ser alimentado por falta de assunto. O que se deu fora a precarização das relações de trabalho que atingiu em cheio a equipe. Problemas que atacaram os recursos do projeto financiado com recursos da ENSP: novo sistema de cadastro de convênios (do Governo Federal), atrasos quase inimagináveis na burocracia dentro da Fiocruz (idas e vindas do processo protocolar pelo qual há de passar todo projeto, mas com adendos de caricatura da "eficiência" do funcionalismo público), impasses na assinatura do convênio Peja-Manguinhos mediante o trabalho já realizado meses antes da assinatura final - que tanto demorara a vir. Enfim, ficamos sem recursos, o que significou desde abril até junho sem salários. Pouco problema? Quase tivemos uma equipe desfeita. Entre os tantas experiências pedagógicas ganhando robustez no cotidiano, tivemos que nos situarmos diante de uma situação absurda que se estendia semana a semana – e que só perigou explodir ao final do semestre: um cenário de contrastes: desestímulo material (porque a ideologia não prescinde ter de pagar o ônibus para ir ao trabalho) e empolgação com os resultados das disciplinas em estudo (os estudantes produzindo à luz dos parâmetros curriculares atividades sem, perdoem o trocadilho, parâmetro – isso diante dos preconceitos historicamente legados a quem more em favela, claro). Daí professores tomaram posicionamentos distintos sobre como reagir ao impasse, e então, o problema que era interinstitucional, entre Governo Federal, Redeccap e Fiocruz, veio a minar as relações internas. Uma briga de foices entre os famintos. Uma injusta querela, guerra de nervos, entre os profissionais que mantiveram os trabalhos em atividade até, enfim, a semana passada, na culminância mais do que bem sucedida dos Laboratórios do Livre-Saber. Desta vez, escrito com letras maiúsculas para ser provocação da provocação.

A imagem que ilustra esse pequeno texto é do Pablo Picasso. Os personagens retratados são épicos porque arquetipizam uma pá de comportamentos de hoje e de amanhã. Rocinante, Dom Quixote, Sancho Pança e seu burrico (de quem esqueci o nome), trazem à luz as mazelas que sofremos na perseguição dos sonhos. São errantes, são errados, são divertidos aos olhos do leitor pelas angústias que guardam. Provavelmente a tal da verossimilhança em seus cacoetes de alucinados cause efeito. Por outro lado a idéia do sonho impossível seja o que cause apetite. Um cardápio de associações possíveis.

Colocar esses problemas publicamente é um modo de considerar que nosso apetite esteve acima da fome. Desconsiderar a fome é um erro, porém.


Hoje, então com despensa abastecida, devemos entender melhor o nosso apetite: o lugar onde queremos chegar.
Matar a fome é resolver uma falta. Isso feito, precisamos de nutrição planejada para o “ir além”. O Peja-Manguinhos deste novo semestre se coloca como um programa de intervenção na comunidade porque é escola. Disputaremos o conceito de escola, desta vez com mais interlocutores, tais como a nova equipe da Escola Politécnica da Fiocruz, o Escritório Técnico Multidisciplinar da Fiocruz Mata-Atlântica, e com a própria Ensp (que segue parceira de idéias e ações).

Estamos todos (estudantes e professores-estudantes) com ânsia por degustações mais extensas. Não degustações novas. Estamos construindo um caminho que não carece especialmente de novidades, mas que exige um aprofundamento, uma sofisticação do que já existe. Nisso falamos de pesquisa e publicização dos dados. Nisso falamos de ampliar o diálogo sobre educação territorializada com outras instituições e com o movimento social local. Nisso falamos de provocar mais ainda o protagonismo entre nossos estudantes. Sempre na metodologia de falar muito nisso, sem esquecermos de estudar aquilo. O mundo é sabor para muitos paladares – tem em história quanto mais temos em necessidade de beber/produzir história. Enfim, Cidadania Ativa é o conceito que disputaremos até perder seu binômio. E só, somente só, cidadania ser.

Este "só", é tudo o que nos falta como compreensão do poder que nos é negado, que nos é ceifado, que - olha só - por vezes temos por empréstimo diante do status quo. “Nós” não somos o status quo – o que é definição ampla, mas basta.

Como Quixote de La Mancha, no Peja-Manguinhos buscaremos entender da anatomia dos moinhos o suficiente para, enfim, derrubar os gigantes.

Que venha 2009 / 2!




Felipe Eugênio


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