quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

LABORATÓRIOS DO LIVRE SABER - 2009 (edição de dezembro)


(Retrovisor, de Shana Reis, é a imagem do nosso cartaz do Laboratórios, em sua segunda edição. Abaixo vai o texto de apresentação também presente no cartaz)

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Na segunda edição de nosso espaço de interações e trucagens epistemológicas – ou Laboratórios do Livre saber, como melhor explicado fica -, o PEJA-Manguinhos tem como mote a fotografia “retrovisor”, de Shana Reis, na qual encontramos inúmeros elementos que, se bem lidos na imagem, coadunam com outras tantas características de nosso trabalho de educação de Jovens e Adultos.
Uma delas, bem observada por Simone Cândida – formada no ensino médio em 2007 e atualmente pesquisadora do PEJA -, é o olhar para o passado como ponto de vista que impulsiona caminhar em frente. No caso do estudante de EJA, este tem como trajetória de vida os percalços de exclusão do sistema escolar, e, por conseguinte, a limitação nas possibilidades de trabalho melhor remunerado, o que se desdobra nas mesmas limitações para conforto de sua família e até mesmo no desenho de sua comunidade, esta formada por pessoas que antes de intervirem em prol de garantia de direitos, por precisarem sobreviver, descartam o mundo da participação política ou da livre expressão como coisa viável. Em territórios como Manguinhos, essas mulheres e homens adormecem e despertam como personagens de segundo plano; no caso, de uma história com roteiro carimbado – cheia de estigmas sobre a inferioridade do favelado, com criminalização da pobreza, violação do corpo diante da insalubridade do medo. O medo é tão causador de doenças quanto poças de esgoto aberto. Não houve PAC para o medo em Manguinhos. Daí, voltando à experiência da “volta à sala de aula”, esse movimento de “olhar para trás” significa ler com clareza como se deu a arquitetura de um mundo desigual. A partir de então, o estudante de EJA é um sujeito com capacidade de articular uma nova paisagem - no mínimo – pela exclusão do que vivenciara, e assim vislumbrar outros caminhos, pavimentar diferentes formas de se relacionar diante do que seja cidadania, do que seja equidade social e econômica, e do que seja dignidade humana. Este último ponto, o da dignidade, é um retorno à fotografia: consideramos o “ir e vir” como uma das marcas da liberdade. Na fotografia de Shana Reis há essa metáfora do seguir-seguindo-sem-amarras. O que virá, a paisagem futura, o horizonte de expectativas, não elimina a oportunidade de se manter sob a vista o ido, o trajeto cumprido; ao contrário, é nessa dialética que seguimos em frente, lidando com a tradição como formadora crítica de cada passo novo. Pegar estrada, perder-se no mundo, deslocar-se sem imposição de ficar ou partir, eis capítulos de uma realidade onde se expressar, manifestar e divergir seja regra de convivência e não ato de subverter a ordem. Uma realidade buscada é ter como ordem o debate aberto, e não a regra arbitrária, coisa ainda tida. Logo, a idéia do “livre” em nosso Laboratórios está presente nos vários planos visuais que “retrovisor” nos oferece – espaços vários como possibilidades de visão e de exploração. Futuro e passado: ambos matéria de manipulação do presente, no qual sujeitos históricos se percebem atuantes da cena desse teatro-pra-valer. Guiar um veículo que sabe onde quer chegar (ainda que sem destino, tendo por desejável a autonomia por qualquer errância de destino), advém do exercício de observar contextos pelo caleidoscópio: ângulos que se desdobram e ressignificam a nossa imagem do todo. Ou, mais simples, para cada guinada do carro, olhar pra trás é preciso – e viver, no caso, sim, também é preciso.

Que venha mais um “Laboratórios do Livre Saber”. Fechemos 2009.

Felipe Eugênio dos Santos Silva
Coordenação Pedagógica PEJA-Manguinhos
REDECCAP – FIOCRUZ – SEE/RJ

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